
Categoria: Documentos Históricos


COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI – PARA INVESTIGAR AS DENÚNCIAS DE OCUPAÇÃO DE TERRAS E LAVAGEM DE DINHEIRO, ATRAVÉS DE AÇÕES DIVERSAS, INCLUSIVE COMPRA FICTÍCIA DE IMÓVEIS, COM MANIPULAÇÕES RELATIVAS A REGISTRO DE IMÓVEIS E SONEGAÇÃO DE IMPOSTOS E EMOLUMENTOS – (RESOLUÇÃO Nº 1401/2006)
Serviço Nacional de Informações – Agência Rio de Janeiro: problemas fundiários no Estado do Rio de Janeiro
Encaminhamento n.º 067/1775/ARJ/SNI
Denúncia dirigida ao Governador do Estado do Rio de Janeiro, versando sobre a situação das terras localizadas na Baixada de Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Pontal de Sernambetiba e Guaratiba, que estão sendo objeto de grilagem, envolvendo Holophernes Castro, Pasquale Mauro, Oei Tjong Hiong e outros.

AS LUTAS PELAS TERRAS EM JACAREPAGUÁ E REGIÃO DAS VARGENS DURANTE O GOVERNO CARLOS LACERDA
No início da década de 1960, o Partido Comunista Brasileiro já havia adotado um rumo de total conciliação com os setores da burguesia nacional, seja do meio urbano quanto do meio rural. Mas ainda havia algumas forças conservadoras cuja aliança ou parceria era tida como inviável para o PCB. Uma delas era a UDN, especialmente a sua liderança maior – Carlos Lacerda. Era esta a figura a ser combatida, talvez o principal adversário político do PCB no âmbito do estado da Guanabara. A ele seriam dirigidos a partir do início da década de 60 os principais e mais intensos ataques, mais até do que ao “império ianque”.
Lacerda seria responsabilizado por todos os infortúnios vividos pela população carioca e o Novos Rumos (novo nome do jornal do PCB) tentava demonstrá-lo seja através de editoriais e reportagens ou de pequenas “homenagens”, como a que foi concedida na forma de uma música de autoria de Sarandy, leitor assíduo do jornal:
Nas eleições
quanto potoca,
mil ilusões
pro carioca
Hoje está vendo
o tempo perdeu,
e está sofrendo
quem te elegeu
A água sumiu
o “bicho” rendeu, o povo sentiu
e se arrependeu
Ao progresso
sois um estorvo,
filho da Esso
maldito Corvo
Ódio da farda
é tua sina
o rio da guarda
virou piscina
ódios internos
ódios antigos
crias infernos
mata-mendigos
(Novos Rumos, 06-12/09/63, p.6.)
As notícias sobre violências e crimes cometidos por grileiros contra lavradores cariocas seriam usadas pela imprensa comunista como um instrumento de afirmação do seu antagonismo em relação a Lacerda. Todos os problemas e desventuras sofridas pelo lavrador do Sertão Carioca eram, no final das contas, colocados da conta do “corvo da rua do Lavradio” (Esta era a rua onde se localiza até hoje o Tribuna da Imprensa, na época de propriedade de Lacerda), que agiria mancomunado com as companhias imobiliárias no crescente processo de especulação das terras da zona rural do Estado da Guanabara.
Exemplo disso foi a destruição das hortas de cem lavradores em Jacarepaguá por parte de policiais da vigilância sanitária. Sob o título “Polícia de Lacerda protege a ‘saúde da light”, o Novos Rumos desvendava os verdadeiros motivos “da invasão destruidora, com tôda a sua truculência de tipo fascista” da polícia. Alegava Lacerda que a destruição das hortas tinha se dado em função de preocupações com a higiene e a saúde da população, já que as hortas seriam regadas com águas de um riacho contaminado.
Na verdade, revelava o Novos Rumos, as terras pertenceriam à Rio Light S.A., que estaria disposta a expulsar os lavradores para poder alugar os lotes agrícolas a uma companhia:
“É simplesmente o aumento do lucro imobiliário que o sr. Lacerda favoreceu, ao iniciar, na prática, a expulsão dos lavradores das terras da ‘Light’, destruindo suas plantações sem a menor indenização e sem qualquer informação aos lavradores sôbre seu futuro(…).
Talvez agora se torne mais compreensível porque tão grande número de escritórios eleitorais do sr. Lacerda localizava-se nos térreos de edifícios em construção”
(Novos Rumos, 10-16/02/61, p. 6.).
Nessa mesma área seriam instalados anos mais tarde o Hospital Cardoso Fontes e a Fábrica de Papelão (hoje desativada e prestes a se tornar um shopping).
CHARGE DE LACERDA DO ÚLTIMA HORA.
ACERVO: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Meses depois a polícia de Lacerda voltaria a “assinar ponto no sertão guanabarino”. Tal como em Jacarepaguá, aquele mobilizaria a polícia em Campo Grande para atender aos “negros propósitos” dos “tubarões de terra” numa nova “empreitada sinistra”:
“Cenas difíceis de se supor que ocorressem em longínquos rincões do interior, onde o coronelismo e o latifúndio impõem sua vontade, acontecem a menos de hora e meia de ônibus do centro do RJ.(…) com o conhecimento e a aprovação tácita do governador – (…) o aparelho policial se presta a violentar primários direitos de cidadãos pacatos, de quais não se conhece outra atitude que não o do trabalho, penoso e diuturno” (Novos Rumos, 11-17/08/61, pp. 1 e 6.).
Segundo noticiava o Luta Democrática às vésperas do golpe de 64, uma “reforma agrária” estava prestes a ser “decretada” em Vargem Pequena (Jacarepaguá), mas não pelos seus 1.220 “posseiros” e sim “pelos velhos e conhecidos grileiros da região, antes abandonada e desvalorizada.” Por meio dessa “reforma agrária”(!) os “posseiros” estavam “sendo violentamente ameaçados de serem expulsos de suas terras” e ainda “perdendo suas benfeitorias”. Para sua implementação recorria-se aos serviços de capangas armados, “incumbidos de invadir as terras, abrindo fogo, a todo custo, como se aquilo fosse terra de ninguém”. E segundo jornal, tudo isso contaria com o beneplácito do poder público:
“Todas as queixas levadas às autoridades policiais, pedindo garantias, são recusadas ou postas na ‘geladeira’, porque o assunto é da alçada da Justiça … salvo se houver bala!
Já se verificaram casos em que os lavradores que vão pedir garantias ficam presos para averiguações.”
(Luta Democrática, 24/03/1964. p. 7).
Longe de serem vistos como um fenômeno distante e inexplicável, só apreendido pela matemática dos censos, os loteamentos eram considerados como sendo de autoria de “grileiros”, “ladrões de terras” e “aventureiros”, cujas práticas acarretavam inúmeros “malefícios ao abastecimento da cidade” e à “vida de humildes lavradores” e suas famílias. Ou seja, a expansão dos loteamentos sobre o Sertão Carioca se deu paralelamente à formação de uma importante arena de disputas em torno de valores e significados referentes a noções de direito e justiça. A existência de tal arena acabou sendo desconsiderada quando alguns estudiosos preferiram designar esse processo como “expansão do vetor urbano pela área rural” ou como Fânia Fridman preferia afirmar como “loteamentos promovidos em sua maior parte pelo setor imobiliário”. Mas na época em que esse processo se deu, ele era qualificado por alguns órgãos de imprensa como “repelentes assaltos de terras” praticados por “malfeitores encasacados”, ou, como contra-argumentavam as loteadoras, como a “chance sem igual de uma vida alegre” com “aplicação de capital seguro”, em terras “devidamente registradas e legalizadas”. E além de produzir novas ruas e casas, tal expansão concorreu para o surgimento de novas idéias, representações e certezas: dentre elas, foi-se consolidando a de que os infortúnios vividos pelos habitantes da região atendiam a interesses de um determinado grupo: enquanto a diminuição da produção agrícola acontecia, levando ao declínio das condições de vida dos lavradores e à falta de gêneros para o abastecimento da cidade, havia homens que faziam fortunas com ela.
Fonte: Carlos Lacerda e os posseiros de Jacarepaguá
Em 2016, o cineasta Rodrigo Mac Niven lançou o filme Olympia 2016, um documentário ficção que aborda o fenômeno da corrupção, utilizando como pano de fundo a grilagem de terras em Jacarepaguá.
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Enquanto a grande mídia não deu destaque algum ao projeto e ao filme, em função de evidente conflito de interesses econômicos com os grande grupos empresariais do mercado imobiliário e organizadores dos Jogos Olímpicos, os jornais eletrônicos e sites independentes se encarregaram de divulgá-lo:
Glamurama: Filme que desvenda a corrupção nas Olimpíadas estreia no Rio

O BANCO DE CRÉDITO MÓVEL E O MECANISMO DE GRILAGEM DE TERRAS NA BARRA DA TIJUCA
Reforçam a tese de que o Banco de Crédito Móvel não tenha passado de um mero instrumento para a prática de negócios jurídicos ilícitos os elementos colhidos no Arquivo Nacional que noticiam a existência do processo n.º SGI/GB-013/69, instaurado pela Comissão Geral de Investigações do Ministério da Justiça, de onde se depreende o elucidativo depoimento do PROCURADOR DO ESTADO DA GUANABARA – Dr. PAULO ROCHA LAGOA –, que, dentre outras coisas, afirmou que:
“como é sabido, todas as terras do Brasil são de propriedade pública, eis que só saíam do patrimônio da Coroa Portuguesa mediante ato formal; que no caso, os atos apontados como geradores de domínio por parte do Banco de Crédito Móvel são insuscetíveis de comprovar essa situação jurídica; que todas as terras que não saíram validamente do patrimônio da Coroa Portuguesa, passaram para o Patrimônio do Império do Brasil; que estiveram durante todo o período do Império nas mãos do Governo Geral; que, com a Proclamação da República, passaram para o patrimônio dos Estados da Federação; que, entretanto, isso não aconteceu com as terras públicas (denominadas terras devolutas) situadas no território do antigo Distrito Federal, atual Estado da Guanabara; que a razão de continuar a União Federal com domínio sobre tais terras ocasionou-se do fato de não ser o Distrito Federal, como é evidente, uma unidade da federação; que, assim, entretanto, não era a situação jurídica quando da Promulgação da Constituição do Brasil de 1967, a qual encontrou configurada a existência do Estado da Guanabara; que, assim o Estado da Guanabara é atualmente o titular de domínio sobre as terras devolutas sitas no seu território; que, como as terras situadas na área da Baixada de Jacarepaguá não possuem titular válido, é ele, Estado da Guanabara, o proprietário das mesmas; que nesse sentido, o depoente teve oportunidade para manifestar-se no processo administrativo de número 2/01431/69 (dois/zero-mil quatrocentos e trinta e um/sessenta e nove), em o qual solicitou ao Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador-Geral do Estado autorização, que lhe fora dada, para postular uma ação discriminatória de terras públicas contra Pascoale Mauro, qual se diz titular do domínio sobre uma faixa de terras sita na Baixada de Jacarepaguá, entre o mar e a Lagoa de Marapendi; que o motivo gerador desse pedido encontra-se no fato de ser destinada essa área, tanto no atual Projeto Urbanístico vigente, como no Projeto Lúcio Costa, para construir uma Reserva Biológica, a qual deve, por motivos óbvios, ser de propriedade do Estado; (…)”.
Em minucioso estudo, o citado Procurador Paulo Rocha Lagoa dissecou cada um dos títulos da cadeia sucessória do Banco de Crédito Móvel, demonstrando de forma irrefutável os vícios de cada um e, naturalmente, a invalidade da transcrição feita em seu nome:
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Fonte: Arquivo Nacional: BRDF AN BSB 1M.151.1
[i] Salema teve por pais a Diogo Salema e sua prima Caterina Salema. Foi licenciado em leis, e um dos primeiros colegiais do Colégio Real de São Paulo, em Coimbra, admitido a 2 de maio de 1563. Depois de ler uma catedrilha de instituta subiu à Cadeira do Código no ano de 1567, onde ditou a Postila ao Tit. Cod. de Fide instrumentorum, e outra ao Tit. Plus valere quod agitur, quam quod simulate concipitur.
Depois de ser Desembargador da Casa da Suplicação, de que tomou posse por seu procurador, o Desembargador Diogo Lameira em 16 de março de 1570, foi mandado com uma alçada a Pernambuco por ordem do Rei D. Sebastião de Portugal, e depois de concluída esta incumbência, foi nomeado governador de São Tomé e depois governador do Rio de Janeiro. Em 1578, organizou uma expedição contra os franceses, que haviam estabelecido a Feitoria Maison de Pierre em Cabo Frio para exploração de pau-brasil, da qual participou Antônio de Mariz, um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro.
Voltando ao Reino de Portugal, foi nomeado Desembargador dos Agravos em 19 de fevereiro de 1583. Faleceu em Lisboa e está sepultado no Convento de São Francisco da Cidade.
Casamento:
Casou com D. Luísa de Siqueira, filha de Afonso Bicudo e de Isabel de Siqueira, a qual, enviuvando, casou com Francisco de Almeida de Vasconcelos, Secretário de Estado de Portugal em Madrid.
Obra:
Escreveu o Tratado da conquista que fez do Cabo Frio contra os franceses e o gentio tamoio que nele estavam fortificados.
Bibliografia:
Biblioteca Lusitana, de Diogo Barbosa Machado, tomo I, página 383.
[ii] Laudo Ferreira de Camargo (Amparo, 17 de abril de 1881 — Rio de Janeiro, 21 de julho de 1963) foi um advogado, magistrado e político brasileiro. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, turma de 1902. Advogou em sua cidade natal até, em 1905, ser nomeado promotor público da comarca de Serra Negra. Em 1908, removido para São José do Rio Pardo quando foi nomeado juiz de direito de Itaporanga em 1910, Cajuru em 1911, São Simão em 1912, Ribeirão Preto em 1915, e Santos em 1922. Mediante nova promoção foi elevado a juiz de direito da capital, em 1927. Sobrevindo o movimento revolucionário de 1930, um dos primeiros atos do novo governo foi mudar a composição do Tribunal de Justiça paulista, forçando alguns magistrados à aposentadoria e nomeando outros sem ligação com o governo do Partido Republicano Paulista. Coube a Laudo de Camargo ser agraciado com um lugar na terceira câmara do citado tribunal. Assim o novo ministro foi empossado no dia 27 de novembro de 1930, no gabinete do presidente Manuel Policarpo. Foi interventor federal no governo de São Paulo, de 26 de julho a 13 de novembro de 1931. Foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República Getúlio Vargas, mediante decreto de 30 de maio de 1932, na vaga resultante do falecimento de Francisco Cardoso Ribeiro, assumindo o cargo em 9 de junho. Foi eleito presidente, de 31 de janeiro de 1949 a 17 de abril de 1951, quando, completando setenta anos, aposentou-se compulsoriamente.
Relatório Confidencial do SNI sobre a Grilagem de Terras na Barra da Tijuca
Em nossas pesquisas junto ao Arquivo Nacional, encontramos o documento em anexo que confirma a tese de que Pasquale Mauro, principal cabeça do Banco de Crédito Móvel (entidade fictícia, sem personalidade jurídica e existência de fato), tenha sido um dos maiores grileiros do Brasil.
A curiosa narrativa expõe um esquema de grilagem de terras sofisticado, até mesmo para os dias de hoje, na medida em que as fraudes perpetradas no passado vão se eternizando com a chancela insensível de alguns juízes.
Veja um breve recorte do documento, e um sinal do que se será exposto nas próximas publicações. Não se trata simplesmente de grilagem de terras, mas de uma das muitas faces da corrupção sistêmica que afeta o país:
“A procedência trazida pelos pretensos proprietários não é advinda de título legítimo de aquisição e, muito menos, de concessões de posses devidamente revalidadas ou legitimadas, respectivamente. Provém ela de escritos forjados, contraditórios, enfim de nenhum valor jurídico (…)”.
“As figuras sinistras de PASQUALE MAURO e HOLOPHERNES CASTRO, este último já falecido, representam os maiores esbulhadores das terras de uma região da mais valorizadas do BRASIL, os quais, desde 1934, por meios não muito claros e uma documentação duvidosa, se dizem donos das vastas terras, desde a BARRA DA TIJUCA até o PONTAL DE SERNAMBETIBA, em GUARATIBA. Os nominados, temerosos pela precariedade de seus direitos e oriundos de uma documentação espúria e proveniente de uma sociedade inexistente, resolveram, por escritura pública do 22º Ofício de Notas encerrar as atividades e extinguir a sociedade BANCO DE CRÉDITO MÓVEL, de forma amigável, por inexistir estrutura jurídica e dividiram entre os acionistas minoritários um capital social de terras inexistentes, ficando as terras para os sócios PASQUALE MAURO e HOLOPHERNES CASTRO (…).
PASQUALE MAURO se diz protegido de autoridades civis, policiais e judiciárias:
– da civil, por explorar irregularmente extração de areia quartzo às margens da BR-6 até o canal de SERNAMBETIBA, sem dar cumprimento ao contido no Decreto-lei n.º 227 de 28 FEV 67, não sendo fiscalizado pelos órgãos competentes;
– da policial, por não ser molestado quando invade áreas confiantes com as suas;
– da judiciária, por ter trânsito livre em gabinete, inclusive com cartão de estacionamento para uso de dois carros no pátio do Palácio da Justiça, enquanto funcionários do Judiciário não o possuíam”.
SNI – Relatório Confidencial – Arquivo Nacional (clique aqui para baixar o documento)
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