“14. O PRIMEIRO TÍTULO – Não é necessário grande trabalho para se examinar esse documento, eis que se encontra transcrito no livro denominado “Termo das Cartas de Sesmaria de Terras, Chãos e Águas da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, dadas por Salvador Correia de Sá, Capitão e Governador da dita Cidade”, o qual se encontra no Arquivo Nacional, Seção de Documentos Históricos, classificado como código 778-1. Recentemente, o dito Arquivo Nacional publicou na íntegra esse Livro Tombo so a seguinte denominação:
“Tombos das Cartas das Sesmarias do Rio de Janeiro (Rio, 1967), onde se encontra a fls. 38/42 a “Carta de Sesmaria e Águas de Martin de Sá e Gonçalo Correia de Sá que estão onde chama a Tiguga”.
Essa carta de Sesmaria (junta sob n.º 1) contém, inteiramente, transcrita a própria petição de autoria de Gonçalo Correia de Sá e Martin de Sá, a qual assim se descreve as terras objeto de solicitação:
“uma dada de terra a que se chama Tiguga, que parte com os Padres JHUS e o Conselho desta Cidade…”
Isto é, as ditas terras confrontavam-se com as terras da sesmaria de propriedade da Ordem dos Jesuítas e com a sesmaria de propriedade do Senado da Câmara, ou seja, do governo local da cidade e que hoje constitui a denominada “Sesmaria Estácio de Sá”, que se encontra no patrimônio do Estado da Guanabara, por sucessão das pessoas jurídicas de direito público territorial (Município Neutro e antigo Distrito Federal) que se sucederam no local. O ponto é de grande importância, conforme abaixo se verá.
15. O Governador da Cidade, Salvador Correia de Sá, atendeu à solicitação dos requerentes, concedendo-lhes as terras em sesmaria. O instrumento da Carta foi muito explícito quanto às lindes do imóvel, bem como no que tange ao dever de medição das mesmas, o qual, conforme tivemos a oportunidade de assinalar no § 6º das presentes razões, acima, era um dos elementos formais para a validade do ato de concessão da sesmaria. (…)
Note-se que, logo em seguida, o referido instrumento de concessão da sesmaria afirmava que a outorga das terras era efetuada em conformidade com o Regimento do Governador Geral Antônio Salema[i], regimento esse que foi em seguida transcrito na parte relativa à forma pela qual se concederiam sesmarias, sendo ali feita expressa referência ao Livro IV das Ordenações, Título das Sesmarias (trata-se das Ordenações Manuelinas, então em vigor), como legislação disciplinadora da matéria.
16. A PRIMEIRA FALHA NA CADEIA SUCESSÓRIA – Encontra-se neste ponto a primeira falha na cadeia sucessória. Os titulares da sesmaria, não cumpriram com o dever de medição a que estavam obrigados. Esse dever (cuja importância era fundamental, a ponto de constituir uma das condições de validade da concessão da sesmaria) foi por eles completamente descurado, havendo, consequentemente, caído em decadência a sesmaria que lhes fora outorgada. Essa conclusão é inapelável. Os beneficiários da sesmaria perderam qualquer direito sobre as terras, face sua omissão em cumprir com o dever de fazer que lhes havia sido imposto.
17. A SEGUNDA FALHA NA CADEIA SUCESSÓRIA – A segunda falha na cadeia sucessória está na ausência de prova da forma pela qual o direito sobre a sesmaria acima referida (admitindo-se, meramente “gratia argumentandi”, não houvesse ocorrido o comisso por falta de medição) teria sido transmitido de Gonçalo Correia de Sá e Martim de Sá para o domínio de D. Vitória de Sá. Esta, muito estranhamente, no seu testamento, ao invés de mencionar e descrever o título de propriedade sobre a Baixada de Jacarepaguá, limitou-se a declarar, em seu testamento, que havia herdado ditas terras de seus pais e avós, sem se referir ao inventário dos mesmos e sua consequente partilha. D. Vitória de Sá, consequentemente, não possuía título algum sobre essas terras, podendo ser, quando muito, simples posseira das mesmas.
18. O SEGUNDO TÍTULO – O segundo título que é apresentado para formar a cadeia consiste no testamento da referida D. Vitória, o qual está publicado no volume denominado “Construtores e Artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro”, de autoria do benemérito historiador Dom Clemente Maria da Silva Nigra (Salvador, 1950), a fls. 249/258. Neste documento, D. Vitória assim descreveu o imóvel que afirmou ser de sua propriedade:
“Declaro que as terras desde o rio da Pavuna athe o mar e correndo a costa athe junto da Guaratiba com seus montes, campos, Restingas, Lagoas e Rios sam meios que os herdei de meus Paes e avos” (fls. 251).
É de assinalar-se, neste ponto, que por força da descrição efetuada nesse testamento, os limites das terras seriam o então Rio Pavuna, que desaguava na Lagoa de Jacarepaguá e desta até o mar, correspondendo aproximadamente com a descrição efetuada no ato de concessão da sesmaria primitiva, pois os limites das sesmarias de propriedade do Senado da Câmara e da Ordem dos Jesuítas efetivamente aproximavam-se da Lagoa de Jacarepaguá, conforme se pode verificar na planta apresentada em anexo como documento n.º 2, onde está lançada a medição que o Senado da Câmara fez efetuar de suas terras. A questão tem grande importância, como acima se verá.
19. A TERCEIRA FALHA NA CADEIA SUCESSÓRIA – Tal como foi assinalado relativamente à Gonçalo Correia de Sá e Martim de Sá, é de ver não existir qualquer prova da válida transferência de domínio (sempre se admitindo “gratia argumentandi”, que da o tivesse) de D. Vitória de Sá para o Mosteiro de São Bento. Onde se realizou o inventário dessa senhora e onde está o formal de partilha que deveria ter sido extraído? Essa terceira e não menor falha vai acumulando elementos comprobatórios do fato de se tratar do tremendo “grilo” o título apresentado pelo Banco de Crédito Móvel, em liquidação desde os bons tempos do encilhamento…
20. A QUARTA FALHA NA CADEIA SUCESSÓRIA – A quarta falha fiz respeito a uma questão da maior importância para o deslinde da matéria, consistente na incapacidade do Mosteiro de São Bento de herdar terras, por força do disposto nas Ordenações Filipinas, Livro II, Título XIII, a saber:
“De muito longo tempo foi ordenado pelos Reis nossos antecessores, que nenhumas Igrejas, nem Ordens, pudessem comprar, nem haver em pagamento de suas dívidas bens alguns de raiz, nem por outro título algum os adquirir, nem possuir, sem especial licença dos ditos Reis, e adquirindo-se a dita defesa, os ditos bens se perdessem para a Corôa. A qual foi sempre até ora se usou, praticou e guardou em estes nossos Reinos sem contradição das Igrejas e Ordens e Nós assim mandamos que se guarde e cumpra daqui em diante”.
Especificamente no que tange as legados e heranças em benefício de entidades religiosas, o mesmo Título estabeleceu regra específica, a vigorar para o futuro, com a seguinte redação:
“Porém, deixando alguma pessoa alguns bens em sua vida, ou por sua morte a alguma Igreja, Mosteiro, de qualquer Ordem e Religião que seja, em havendo-os por sucessão, podelo-há possuir por ano e dia, no qual tempo se tirará deles, não havendo nossa provisão para os possuir por mais tempo. E não se tirando no dito tempo, nem havendo nossa provisão, os perdera para Nós” (consulte-se Cândido Mendes, Código Filipino, cit. Pag. 435).
Ora, quando D. Vitória de Sá fez seu testamento, em data de 30.01.1667 (D. Clemente da Silva Nigra, Construtores e Artistas, cit. Pag. 250), já se encontravam em vigor as Ordenações Filipinas, datadas que são de 11.1.1603, as quais, consequentemente, governavam por completo seja a capacidade para testar de D. Vitória de Sá, seja a capacidade para herdar do Mosteiro de São Bento. Consequentemente, o dito Mosteiro se encontrava impedido de suceder nas terras da Baixada de Jacarepaguá, sendo-lhe lícito apenas ficar na posse das mesmas, isso mesmo, caso obtivesse autorização real para tanto, o que certamente não obteve, pois o seu historiador, o referido D. Clemente da Silva Nigra, naquela minuciosa obra, a tanto não faz referência, apesar de haver esmiuçado completamente o excelente arquivo do Mosteiro de São Bento. A conclusão é clara e insofismável: se as terras de D. Vitória de Sá não houvessem caído em comisso por falta de medição (o que já se viu no § 16º do presente, acima), de qualquer forma deveriam voltar ao patrimônio da Corôa pelo fato de não se lícita a herança com que o Mosteiro de São Bento foi beneficiado.
21. O TERCEIRO TÍTULO – Este título é a escritura de compra e venda, passada pelo Mosteiro de São Bento à Companhia Engenho Central de Jacarepaguá. É evidente, face ao exposto acima, que o dito Mosteiro não possuía qualidade para tanto, eis que as terras acima eram devolutas. Com efeito, não havendo elas saído validamente do patrimônio público, conforme se demonstrou exaustivamente, o dito Mosteiro sobre elas não possuía domínio, sendo-lhe ilícito, como é evidente, vender a terceiros o que não era seu. Acresce salientar-se, neste ponto, que o dito Mosteiro nem sequer poderia se utilizar, como simples posseiro, das vantagens conferidas pelo acima referida Lei n.º 601 (a Lei de Terras) e pelo seus regulamento, pois, por força dos preceitos trazidos à colação no § anterior, ele não poderia jamais obter para si domínio sobre as terras da Baixada. Estamos, portanto, perante hipótese de venda a “non domino” e, como tal, nula.
22. Êste título, aliás, possue uma característica que demonstra claramente ser ele inválido. Conforme tivemos oportunidade para assinalar nos §§ 14 e 18 do presente, acima, quando Gonçalo Correia de Sá e Martim de Sá requereram e obtiveram a sesmaria por eles desejada na Baixada de Jacarepaguá, descreveram com exatidão as lindes da mesma, eis que apontaram como seus confrontantes tanto a sesmaria de propriedade da Ordem dos Jesuítas, como a sesmaria de propriedade do então Senado da Câmara, antecessor do atual Estado da Guanabara. Diga-se de passagem, que tais sesmarias são contíguas, conforme se pode verificar da obra de Haddock Lobo denominada “Tombo das Terras Municipais” (Rio, 1863, fls. 124/129). Pois bem, no título ora em exame, por motivos que a todos são evidentes, descreveu-se a área da antiga sesmaria como sendo:
“uma linha de todas as vertentes dos morros pelos fundos” (fls. 96 dos autos).
Trata-se, em bom português, de uma simples impossibilidade, pois ambas sesmarias acima referidas ultrapassam de muito as vertentes dos morros, atingindo a parte plana da Baixada, conforme ressalta de simples inspeção da planta junta como documento n.º 2. Eis como se desmascaram “grilos”…
23. A QUINTA FALHA NA CADEIA SUCESSÓRIA – Outra falha ainda é de ser devidamente ressaltada pelos interessados. Trata-se da manifesta desobediência ao preceito contido na Lei de 9.12.1830, a qual proibia terminantemente a venda de bens imóveis a ordens religiosas sem a prévia audiência do Governo; vejamos os seus termos:
“São nulos e de nenhum efeito, em Juízo ou fora dele, todas as alienações e contratos onerosos feita pelas Ordens Regulares sobre bens imóveis, móveis e semoventes do seu patrimônio, uma vez que não haja precedido expressa licença do Governo para celebrarem tais contratos”.
Esta norma foi mantida pelo art. 5º do Decreto n.º 119-A, de 7.1.1890, pelo qual se efetuou a separação entre Igreja e o Estado, somente vindo a ser revogada pelo art. 3º, letra J, da Lei n.º 741, de 26.12.1900, isto é, posteriormente à realização da escritura de compra e venda em tela. Consequentemente, não havendo sido obtida a indispensável licença do Governo por parte do Mosteiro de São Bento, este não podia alienar as terras (admitindo sempre “gratia argumentandi” que fossem suas) a terceiros.
24. A QUESTÃO DO REGISTRO DO TÍTULO – Dir-se-á, entretanto, estar o título do Banco de Crédito Móvel transcrito há mais de 30 anos, o que lhe daria eficácia completa, eis que prescrita qualquer ação de nulidade do mesmo. Trata-se, entretanto, de ponto de vista insustentável no que tange à transcrição efetuada por terceiros sobre bens públicos, sem que para tanto possuam justo título, conforme passaremos a demonstrar. Em primeiro lugar, é de assinalar-se não possuir fundamento jurídico o ponto de vista segundo o qual a transcrição do título constituiria em favor de seu beneficiário um presunção “juris et de jure” relativamente à validade do título, ponto de vista esse que surgiu entre nós por haver impressão de que o Código Civil inovara em tal matéria acerca do direito anterior; é conhecida a monografia de Lisipo Garcia, que, infelizmente, difundiu essa opinião desprovida de base, a qual, ainda hoje, faz gerar consequências funestas nas relações jurídicas. Com efeito, o legislador nacional instituiu, no art. 859 do Código Civil, “in verbis”:
“presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou transcreveu”.
Regra semelhante àquela constante do art. 891 do Código Civil Alemão, a saber (na tradução da Societé de Législation Comparée: Coce Civil Allemand, vol. 2º, Paris, 1.906, p. 490):
“1’ inscription d’um droit au Livre Foncier emporte présomption de 1’ existence du droit em la personne du titulaire”.
Não há nem pode haver qualquer dúvida a respeito. Faltou ao direito brasileiro, entretanto, a inclusão de uma norma no Código Civil declarando que tal presunção era “juries et de jure” e não mera presunção “juris tantum”. Essa regra existe inequivocamente no Código Civil Alemão, consistindo na primeira parte do seu art. 892, com a seguinte redação:
“La teneur du Livre Foncier est reputée exacte au profit do colui qui ae quiert par acte juidique un droit sur un immeuble ou un droit grevant un droit de ce genre, a poins que inexictitude n’en soit connus de acquéreur”.
Esta sim, é uma norma instituidora de presunção “juris et de jure” (est reputée exacte”), bastante diversa do comando previsto no art. 859 do nosso Código Civil e do art. 891 do próprio Código Alemão.
25. Comentando essa matéria, o Prof. Soriano Neto, na obra clássica a respeito (Publicidade Material de Registro Imobiliário, Recife, 1940) efetuou as seguintes considerações (pag. 161):
“Ora, o Código Civil Brasileiro não conhece nenhum preceito semelhante ao do art. 892 do Código Alemão ou ao do art. 973 do Código Suisso, que consagram o princípio da fé pública. Logo, não menciona esse princípio; vigora, desse modo, no nosso direito, em sua plenitude, sem limitação ou exceção alguma (ao contrário do preceituam, em tais artigos, aqueles Códigos) a regra fundamental da legitimidade, que subordina a validade e eficácia da transcrição à existência de pressupostos jurídico-materiais: negócio jurídico obrigacional e faculdade de disposição do alienante”.
Aliás, é de salientar-se que Afonso Fraga já havia antes da publicação da excelente monografia do Prof. Soriano Neto, comprovado ser errônea a opinião de que o Código Civil Brasileiro adotara o sistema germânico da fé pública do registro imobiliário:
“Ao contrário do germânico, pois, o sistema brasileiro não induz prescinde induzir prova absoluta do domínio e, nos termos do art. 859 do Código Civil, mera presunção …(omissis)”. (Direitos Reais de Garantia, São Paulo, 1933, pag. 459).
Após a brilhante publicação da obra do Prof. Soriano Neto a doutrina e a jurisprudência nacionais adotaram seu ponto de vista. Quanto à doutrina, basta trazer à colação o entendimento do emérito Orlando Gomes, em seu trabalho sobre os Direitos Reais (2ª edição, vol. 1º, pag. 190):
“O princípio da fé pública do registro é o que traduz o valor de sua prova. O direito pátrio formulou a seguinte disposição: “presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou transcreveu”. A natureza dessa presunção é controvertida, entendendo uns que é absoluta e outros relativa. Trata-se, evidentemente, de presunção “juris tantum”. Quem aparece como proprietário nem sempre o é. Se o registro não exprime a verdade, pode ser retificado. Consequentemente, seu valor jurídico não é absoluto”.
26. A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS – Os nossos órgãos jurisdicionais vêm se pronunciando exatamente ora defendido pelo Estado. Veja-se, dentre muitos outros, o venerando acordão do Colendo Supremo Tribunal Federal, de que foi relator o eminente Ministro Laudo de Camargo[ii], no Recurso Extraordinário n.º 9.563, em grau de embargos (publicado na Revista Forense, vol. 111, pags. 390/391) e do qual se extrai o seguinte trecho:
“Mas não menos certo que a presunção, decorrente da transcrição – de se a propriedade de quem a fez transcrever, é “juris tantum” e não “juris et de jure”. Admite, assim, prova em contrário, como se deduz dos arts. 859 e 600 do Código Civil.”
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo teve, igualmente, oportunidade para pronunciar-se a respeito da questão através acordão de autoria do eminente Ministro Mário Guimarães encontrado na Revista Forense, vol. 92, pag. 467 e que decidiu o Recurso de Revista n.º 11.563; dele são as seguintes considerações:
“Não se pode, pois, nem pelo cotejo com o direito alemão, nem pela invocação dos trabalhos preparatórios, concluir que, no direito brasileiro, aquele em cujo favor está feito o registro tem por si uma presunção “juris et de jure”.
A matéria é pacífica, portanto.
27. Vamos agora à segunda parte da alegação resumida no § 24 do presente, acima, no sentido de se encontrar prescrita qualquer ação do Estado da Guanabara relativamente à obtenção de nulidade da transcrição efetuada pelo Banco de Crédito Móvel, em liquidação desde as calendas gregas. É de ver que tal ponto de vista, cuja alidade nada se terá a opor no que tange aos imóveis de propriedade privada, apresenta-se insuscetível de sustentação desde que aplicado aos imóveis de propriedade pública. Com efeito, o art. 67 do Código Civil outorgou aos bens públicos o caráter de inalienabilidade, excetuando apenas as hipóteses previstas em lei:
“Os bens de que trata o artigo anterior só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever”.
Sendo a inalienabilidade uma característica dos bens públicos, eles se encontram fora do comércio, tal como determinado pelo art. 69 do mesmo Código Civil, a saber:
“São coisas fora do comércio as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis”.
Já vimos anteriormente que a Baixada de Jacarepaguá, pelos motivos então expostos, tornou-se terra devoluta e, como tal, bem público, encontrando-se fora do comércio. Não era ela, em via de consequência, legalmente capaz de apropriação por parte de terceiros, sendo que, caso exista qualquer ato nesse sentido, ele se apresenta como juridicamente inexistente, eis que não previsto no ordenamento jurídico em vigor. É este exatamente o caso dos autos. Encontrando-se fora do comércio os bens públicos, a Baixada de Jacarepaguá, que era terra devoluta, não podia ser objeto de apropriação por parte de qualquer pessoa, sendo manifestamente inexistentes os atos praticados que envolvam sua alienação do patrimônio público. Veja-se, a propósito, a decisão do Egrégio Tribunal Federal de Recursos prolatada na Apelação Cível n.º 17.529, publicada no Apenso no Diário da Justiça Federal de 9.4.1965, a fls. 170/180, sendo relator o eminente Ministro Hugo Auler. Pedimos vênia, a propósito, para citar os seguintes trechos da minuta de julgamentos:
“Registro Público. A presunção de titularidade do direito real, resultante da inscrição ou da transcrição, é “juris tantum”, admitindo prova em contrário, quer se trate de adquirente de má fé, quer se trate de adquirente de boa fé, pois qualquer um daqueles atos formais não purga o vício do título, nem supre a faculdade de disposição. Interpretação do arts. 859-860 do Código Civil”.
Continuidade do Registro. Não pode alegar a seu favor a presunção “juris tantum” do Código Civil aquele que obteve a transcrição do título de transmissão aparente de direito real sem que este registro imobiliário resultasse de uma cadeia causal de transcrições, na conformidade do art. 244 do Decreto n.º 4.857, de 9 de novembro de 1839, com a redação que lhe foi dada pelo art. 1º do Decreto n.º 5.318, de 29 de fevereiro de 1940.
Transcrição. Ineficácia. A transcrição é um ato inexistente, sem capacidade para produzir quaisquer efeitos jurídicos, desde que fundada em título aparente de transmissão de propriedade de bens públicos sem que a lei permita a alienação, pois, nesta hipótese, a “publica fides” do registro é apagada pela ineficácia absoluta da transcrição”.
Em anexo, como documento n.º 3, encontram-se o venerando acordão em tela.
28. CONCLUSÃO – Do exposto segue-se que as terras objeto do presente pedido de averbação em transcrição pertencem ao Estado da Guanabara, eis que são terras devolutas e estas, conforme o disposto no art. 5º da Constituição do Brasil, de 1967, são de propriedade da referida pessoa jurídica de direito público territorial”. (…)
Rocha Lagoa
Procurador do Estado
Adv. N.º 6.287
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